Como vencer os inimigos da sua dieta
A ciência explica as principais armadilhas que levam o regime ao fracasso e aponta as estratégias mais eficientes para fugir delas
É difícil a vida de quem luta contra o excesso de peso. Na rotina dos gordinhos, há uma história conhecida e da qual poucos escapam: depois de comemorar alguns quilos perdidos, eles reaparecem rapidamente, mesmo que o indivíduo tenha certeza de que não cometeu nenhum pecado. Além de ser um desestímulo, a eterna ciranda do perde-ganha peso contribui com força para aumentar a epidemia mundial de obesidade, hoje atingindo a casa do um bilhão de pessoas acima do peso. Diante de um desafio dessa proporção, a ciência começa a desbravar uma nova fronteira de pesquisas para identificar, afinal de contas, quais são os elementos que induzem a comer mais e, pior, sem a consciência de que isso está acontecendo.
Os últimos estudos sobre o tema confirmam quanto isso é verdade. Em dois trabalhos distintos, pesquisadores japoneses e americanos trouxeram à luz dois inimigos ocultos da dieta tremendamente ligados a essa forma de se relacionar com o alimento. O primeiro foi realizado na Universidade de Osaka e mostrou que comer depressa triplica as chances de ter excesso de peso. A partir das respostas de três mil pessoas a um questionário sobre seus hábitos alimentares, os cientistas observaram que mais da metade dos participantes comia muito, até se sentir cheia. Porém uma parte deles, além de comer demais, também comia rápido (45,6% dos homens e 36% das mulheres). Este grupo foi o que registrou maior risco de ganhar peso. A segunda pesquisa, da Universidade do Oregon, revelou que quem come sem prazer engorda mais. Para chegar a esse resultado, os cientistas deram um milkshake a voluntários e depois observaram suas reações cerebrais. Viram que as pessoas que exibiram respostas mais fracas nas estruturas associadas ao prazer foram as que manifestaram também maior tendência ao ganho de peso. Elas precisaram comer mais do que os magros para se sentirem recompensadas com a refeição.
É interessante notar que esta última circunstância remete a outro sabotador indicado pela ciência. Tratase do hábito de comer na frente da tevê. Em geral, quando sentamos no sofá com algo para mastigar - normalmente doces ou petiscos -, nem prestamos atenção ao que está no prato. Ficamos tão hipnotizados pela telinha que não consideramos nem quantidade nem sabor. E assim, distraidamente, caímos em mais uma tentação, com prejuízos principalmente para as crianças. Recentemente, pesquisas demonstraram esse fato de forma indiscutível. Na Universidade de Minnesota (EUA), pesquisadores concluíram que adolescentes que desfrutam de uma tevê no quarto ingerem menos frutas e verduras e muito mais doces, refrigerantes e fast-food do que aqueles sem o privilégio. Sem contar que também se ingere mais disso tudo. "A tevê desvia o foco da quantidade que estamos comendo", explica a nutricionista Daniela Jobst, integrante do Centro Brasileiro de Nutrição Funcional.
Pressionados pela correria e pelos compromissos do dia-a-dia, também somos incentivados a perder a noção de qual é o momento certo de comer. Nessas condições tão vulneráveis, fica fácil ser vitimado por mais uma arapuca: comer fora de hora e pular refeições. Sem dúvida, um comportamento que já se tornou um hábito mundial. Na Austrália, por exemplo, um em cada três adultos simplesmente pula o almoço pelo menos uma vez por semana. No Brasil, não há dados precisos, mas não existe dúvida de que o costume entrou no cotidiano. O problema é que, quando se prescinde de uma refeição, o organismo automaticamente vai tentar compensar o que não ganhou na próxima.
Outra pesquisa da universidade americana de Minnesota deixa esse fenômeno bem claro. Os cientistas avaliaram a evolução de peso em 2,2 mil adolescentes durante cinco anos.
Eles verificaram que aqueles que tomavam o café da manhã regularmente eram mais magros e consumiam produtos mais saudáveis do que os que pulavam esta refeição. "Embora muitos acreditem que não tomar o café é uma maneira de poupar calorias, provamos que isso não é verdade", afirma Dianne Neumark-Sztainer, coordenadora do trabalho. "Ingerir um bom desjejum evita que se coma muito durante o dia ou à noite", diz.
É por isso que hoje recomenda-se fazer seis refeições por dia (leia outras orientações à pág. 74). "Além do café da manhã, almoço e jantar, também se deve fazer o lanche da manhã, da tarde e comer algo antes de dormir", explica o endocrinologista Walmir Coutinho, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos da Obesidade. Seguindo este roteiro, despencam para zero as chances de atacar a geladeira de madrugada e comer o que não se deve. "E se a pessoa sabe que não terá tempo de almoçar, deve levar um biscoito de fibras ou uma fruta", sugere Ana Cristina Teixeira, da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro.
Além de enfrentar dificuldades para impor um ritmo disciplinado às refeições, lutamos ainda contra a sedutora oferta de porções cada vez maiores. Tudo cresceu - do saco de pipoca ao hambúrguer, que hoje precisa ser pego com as duas mãos. Sem nos darmos conta, cada uma dessas porções agigantadas nos faz engolir uma quantidade de calorias maior. Há 20 anos, por exemplo, o saquinho de pipoca do cinema tinha 270 calorias.
Hoje, as pipocas vêm em um balde e somam cerca de 630 calorias. "Atualmente, uma mulher que luta para emagrecer e acha que está seguindo uma dieta de 1,2 mil calorias por dia pode estar ingerindo aproximadamente 1,5 mil. Parte do equívoco está em pensar que uma porção é menor do que é na verdade", explica Sônia Almeida, nutricionista-chefe da organização Vigilantes do Peso.
A falha trágica é que quase ninguém percebe isso, como revelou um trabalho publicado na revista da Associação Dietética Americana. Uma comparação entre as porções consumidas por 177 adultos - e por eles consideradas normais - com o tamanho das porções de uma pesquisa feita há 20 anos revelou a falta de noção do que se está comendo. Entre outras constatações, viu-se que os voluntários serviram a si mesmos cerca de 20% a mais de sucrilhos e tomaram uma porção de suco de laranja 40% maior do que há duas décadas. Só o suco foi responsável por um aporte de 50 calorias adicionais, o que, ao longo de um ano, somaria dois quilos a mais.
Mesmo quem consegue se defender dos exageros do fast-food e dos restaurantes pode tropeçar nos supermercados. Ir às compras, acredite, pode se tornar um jogo perigoso. A variedade, as promoções e as degustações atiçam a vontade de levar para casa verdadeiras bombas calóricas. Principalmente se você for com fome. Aí, a guerra está perdida. "Fazer compras sem uma lista do que se quer pode ser suficiente para levar mais de cinco mil calorias adicionais para casa sem notar. Portanto, não vá sem um roteiro claro do que realmente precisa", diz Sônia Almeida. Devese ficar atento também ao consumo por impulso, movido pela emoção.
"Uma pessoa pode entender bem de nutrição, saber o que é saudável, mas pode tomar decisões erradas se não perceber os sentimentos associados à compra", afirmou à ISTOÉ David Hardesty, da Universidade de Chicago (EUA) e autor de trabalho sobre o assunto divulgado no Journal of Consumer Research. "Na maioria das vezes, a compra é feita para compensar algo que incomoda. Os obesos conscientes disso fazem escolhas mais inteligentes", diz.
Um dos temas mais pesquisados atualmente, o peso das emoções para o sucesso ou fracasso de um regime é evidente. E hoje está provado que não são apenas os momentos de fragilidade emocional que podem minar o empenho para se entrar na linha. "As mudanças de rotina também têm atuação", afirma a nutricionista Madalena Vallinoti, de São Paulo. Fala-se aqui de situações felizes, como férias ou fins de semana de descanso, e de momentos conturbados, como troca de emprego e reforma da casa. "Tudo isso pode ter a força de um tsunami", diz o psiquiatra Arthur Kaufman, coordenador do Projeto de Atendimento ao Obeso, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Na Universidade Leeds, na Inglaterra, pesquisadores deram uma mostra desse poder. Num estudo com homens e mulheres submetidos a stress no trabalho, eles verificaram que especialmente as mulheres tendem a pular refeições e optar por lanches ricos em açúcar e gordura nessas condições. Entre as situações que mais induzem as pessoas a esse erro estão a necessidade de fazer uma apresentação, conflitos com colegas e uma reunião com o chefe.
A falta de sono - comum em situações de alteração de rotina e de conflitos emocionais - agrava o quadro. Primeiro, porque os indivíduos ficam mais cansados e preferem recorrer a pratos prontos ou a fast-food.
"Estas refeições exigem menos esforço", diz Mindy Engle-Friedman, da Universidade de Nova York. Depois, porque está comprovado que dormir pouco engorda mais também por razões biológicas. "Muitas pesquisas demonstram a ligação entre o sono e caminhos neurológicos que regulam a ingestão de alimentos", diz Daniela Jobst. Um desses estudos, feito pela Universidade de Colúmbia (EUA), concluiu que quem dorme quatro horas ou menos por noite tem 73% mais chances de engordar.
Por fim, as pesquisas indicam que a discriminação com que boa parte da sociedade trata os obesos - e como eles respondem a essa pressão - configura um dos mais complexos obstáculos ao sucesso de um plano de emagrecimento. Neste mês, cientistas do Centro de Pesquisa em Obesidade e em Educação da Universidade de Temple (EUA) anunciaram um trabalho no qual revelam que a vergonha do corpo, o medo dos olhares críticos e do fracasso diante dos outros estão entre os principais motivos que levam mulheres obesas a permanecer sedentárias. "Para muita gente, isso pode parecer mera desculpa. Mas para elas são problemas reais", afirmou Melissa Napolitano, autora da pesquisa. Vistos de uma perspectiva geral, todos esses estudos permitem concluir que domar o peso é uma guerra muito mais ampla do que se pensava.
Fonte: Isto É
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